Centenário do Asilo

Centenário do Asilo

A inauguração do Asilo conselheiro António Cândido, realizou-se no dia 16 de Agosto de 1908 e foi um acto imensamente festivo, e de grande significado moral. Anexo à Santa Casa da Misericórdia tinha como destino os doentes incuráveis, pobres e desamparados.

Acerca do que foi essa brilhante festa, o jornal «O Comércio do Porto», faz uma descrição completa dos acontecimentos.

Para este órgão informativo relativamente a comemoração diz que: “compreendeu a população da vila que se celebrava uma iniciativa benemérita e, ao mesmo tempo, se perpetuava nesse momento de filantropia o nome de um dos mais dedicados e prestimosos filhos de Amarante, o conselheiro António Cândido, legitima gloria para a sua terra natal, como é lídima glória do seu pais.

A mesa da Misericórdia de Amarante, sobretudo o seu ilustre e desvelado provedor, o distinto amigo sr. Joaquim Leite de Carvalho, pensou em fundar um asilo para incuráveis, a fim de derivar para ele uma parte da população do seu hospital.

 A deficiência dos recursos da instituição foi suprida por benemerências que acudiam de todos os lados. Uma das mais simpáticas dessas benemerências foi a cedência, feita pelo conselheiro António Cândido, do monumental discurso que pronunciou no teatro de S. João, na sessão solene comemorativa do centenário do descobrimento do Brasil, discurso que uma comissão de amarantinos fez publicar, em edição de luxo, para o seu produto reverter em proveito do novo Asilo”.

O Asilo em 1908 possuía um fundo que regulava nos 13 contos de réis.

Esta instituição de assistência social, cujo projecto foi elaborado pelo distinto engenheiro e lente da Academia Politécnica António Silva, segundo este periódico “é um edifício airoso, bem proporcionado, banhado de abundante luz e muito ar. A sua situação dominando a formosa princesa do Tâmega, é das mais encantadoras. Na secretária via-se um retrato do conselheiro António Cândido, trabalho do ilustre pintor Veloso Salgado”.

Pelas duas horas da tarde quando o venerando prelado da diocese, D. António Barroso, entrou na capela da Misericórdia, onde era aguardado pela respectiva mesa administrativa, seguido de numeroso cortejo, tocando uma banda o hino nacional e fazendo-se ouvir o órgão dentro do templo, ao mesmo tempo que estalejavam muitos foguetes e repicavam os sinos. Depois de paramentado, seguiu para o novo Asilo, começando por lançar a bênção.

Seguidamente, Joaquim Leite de Carvalho, desveladíssimo provedor da Misericórdia, explicando o fim da reunião, convidou para a presidência o ilustre antistite, que indicou para secretários o dr. Adolfo Pimentel, governador civil do distrito, e Joaquim Cardoso, presidente da câmara de Amarante.

Ao abrir a sessão, o bispo do Porto D. António Barroso disse “que o dia era de festa para Amarante e que o júbilo dessa festa se estendia não só a seus filhos como às pessoas que de fora tinham vindo assistir a ela”.

Aludiu depois à fundação das Misericórdias, e refere que a “obra piedosa de uma rainha e de Miguel Contreiras, demonstrou que essa obra tem prosperado em Amarante.

Há oito anos, celebrou com intenso júbilo, o centenário do descobrimento do Brasil e por essa ocasião a cidade do Porto, da qual faz o mais caloroso elogio, teve ocasião de ouvir a palavra eloquente do conselheiro António Cândido, príncipe dos oradores portugueses. O seu discurso era recamado de flores e dessas flores saíram óptimos frutos, que se objectivaram naquele asilo”.

Refere ainda que louva a ideia de se ter dado o nome do conselheiro António Cândido ao novo Asilo, porque é um amarantino que sabe honrar a sua terra natal, pelo modo como tem desempenhado os mais eminentes cargos neste país.

Por fim abençoa a criação que ia inaugurar-se, exprimindo o seu louvor a quantos a promoveram, dizendo-lhes que continuem.

Pediu em seguida a palavra o conselheiro António Cândido, que ostentava ao peito a grande cruz da Ordem de S. Tiago.

O eminente orador, gloria da tribuna portuguesa, pronunciou um desses seus assombrosos discursos, em que se não sabe que mais admirar-se a elevação do conceito filosófico, se os encantos da forma que no grande orador se confundem numa inexcedível harmonia.

Segundo o jornal portuense, quando “sua exc.ª se levantou para falar, a assembleia inteira, senhoras e homens, ergueu-se como impelida por um só estímulo, o da admiração pelo mais glorioso dos amarantinos. Essa ovação comoveu profundamente o conselheiro António Cândido”.

Dominada a comoção da recepção principiou por dizer que “as suas primeiras palavras eram para o bispo do Porto e tinham de traduzir cortesia, respeito e veneração, cortesia pelo hospede ilustre, que viera trazer uma grande honra a Amarante, respeito, pelos elevados dotes do prelado que nas paragens de África e de Meliapor se fortalecera no amor a Pátria, e não há para despertar o zelo como o servir a Pátria longe dela; gratidão, pelas palavras com que o ilustre prelado se dignou brinda-lo.

Amarante não sofre os efeitos das epidemias, como essas que assolam as populações no Oriente; mas há ali a miséria e quem tenha fome. Em seu conceito; viver com fome é pior de que morrer á fome”.

Passava de seguida em revista as origens da fundação do Asilo, fazendo sentir como é prestante o seu fim e mostrando que, neste vale de sombras e lágrimas, o abraço da solidariedade humana é um alívio para muitos males.

Entrando numa brilhante apreciação de questão social, diz “conhecer as teorias proclamadas em nome da felicidade social e saber os extremos a que essas teorias conduzem. As classes trabalhadoras põem diante dos olhos um ideal permanente e incitam-nas a uma acção directa e imediata, omitindo o que essa acção tem de nefasto e de contrario à História, ao sentimento e a razão.

Muitos dos meios propostos para resolver o problema social são abomináveis, pelo terror que inspiram; e a base falsa de algumas soluções denuncia-se em que as reclamações vão por vezes de encontro ao que foi determinado pela natureza e pela tradição.

As divergências salientam-se: é o que se observa na Itália, na Alemanha, na Inglaterra e ainda ultimamente na França. Um grande pontífice procura fundar em novos moldes a solidariedade; mas ele, orador, não sabe se os resultados corresponderão ao nobre ideal que se teve em vista. O que sabe é que, se por toda a parte se ferem batalhas e se levantam divergências, há o altruísmo, ateado numa propaganda incessante, manifestado na assistência e na beneficência, que espalha todo o bem possível. Com a acção conjunta de todos os elementos, muito se consegue. A caridade tem espargido os seus vencidos; o trabalho tem-se tornado mais garantido; a justiça passou a brilhar no alto, como o sol alto.

Tem-se feito muito, mas não se tem feito tudo, e o nosso país está nesse ponto muito atrasado. Ainda assim, a beneficência individual e colectiva tem operado prodígios; vejam-se os hospitais, os sanatórios, as creches, os lacticínios, as maternidades que se pensa criar”.

Para ele, orador, a forma beneficência que mais lhe agrada é a caridade oculta, aquela que, qual sensitiva, se retrai, quando a tocam os olhares estranhos.

Considera que, “diante das correntes de simpatia que passam como vento de salvação sobre as fronteiras dos povos e sobre as antinomias das raças, não podemos desesperar da influencia do bem e do ascendente, cada vez maior, da virtude sobre a terra, e, falando do desvairado sonho filosófico de criar e propor o tipo de homem sobrenatural”, diz ainda que “criaturas supra humanas existiram em todos os tempos, mas formavam-se por processos diversos, e, acrescentando que todos os heróis da vontade excedem a craveira comum, eram verdadeiras criaturas sobre-humanas”, referiu-se ás irmãs de caridade, num trecho do discurso que fica como uma das melhores jóias dele, terminando pelas palavras de um grande poeta: «Os anjos voam mais alto do que às águias».

Aludindo á fundação do Asilo, disse que “o hospital da Misericórdia e o Asilo se completam; obedecem ao mesmo ideal e a sua criação foi inspirada pela mesma inspiração humaníssima. Que, durante algum tempo, se alimentariam da mesma seiva e viveriam vida comum o hospital e o Asilo, mas que esse tempo seria limitado, porque as obras de misericórdia eram sempre fecundas; uma boa acção que se faz é inicial de uma série que se prevê; o bem, como o mal, tem um contágio seguro.

É certo, porém, que a ideia do Asilo brotou do grande coração de Joaquim Leite de Carvalho, e fora logo secundada por alguns dos seus melhores amigos de Amarante, servindo de pretexto à formação desse plano um discurso dele, orador, em Maio de 1900”. Que, por isso, considerava bendita a hora em que proferiu esse discurso e a esse respeito produziu um trecho sobre a história da eloquência, mista de sombra e de luz, tendo triunfos gloriosos para a Verdade e para o Bem, mas esclarecendo algumas vezes a cruel definição de Pascal, que lhe chamou «uma força mentirosa, a arte de fascinar e de iludir».

A este respeito, explanou brilhantemente o que no seu critério era a verdadeira eloquência, deixando extasiada a assembleia.

Disse que outros nomes podiam e deviam ser lembrados para patronos deste Asilo. Lembrava-se do de Joaquim Leite de Carvalho, a quem Amarante tanto deve, o de Augusto Brochado, tão intrépido em todas as empresas de bem fazer, e ainda outro nome, que não se atreve a proferir ali, porque não quer ferir a modéstia dolorosa de um dos seus melhores amigos. A assembleia volta os seus olhares para o benemérito dr. João Monteiro.

Segundo o mesmo jornal “é grato, todavia, à deferência com que o distinguiram”. Refere novamente as palavras de António Cândido, que diz “crer na imortalidade da sua alma; mas não crê na sobrevivência do seu nome. Prefere que esse nome fique inscrito num Asilo de pobres a ficar inscrito na História, que nem sempre faz a justa apreciação dos homens e das coisas”.

Para este seu modo de pensar tem razões graves e razões infantis. Para ele, orador, a velhice merece-lhe toda a simpatia; a velhice é uma idade sagrada.

“Pode aferir-se do grau de civilização de um povo pelo respeito votado à velhice; é o período azedo da vida do homem. A infância ri, a adolescência canta, a virilidade trabalha, a velhice, é um sonambulismo trémulo e quase sempre atormentado, de que se acorda na extrema agonia para morrer”.

Diz que “Chateaubriand, perguntado porque a velhice anda sempre triste e a mocidade alvoraçada, respondera que era porque a infância ignorava tudo e a velhice tudo sabia, e sobre o que sabe a velhice disse frases de um superior efeito”. Disse depois as outras razões porque a velhice lhe interessava, falando do ser a quem devia tudo, dos velhos mestres que lhe ensinaram o que sabia, e de alguns dos velhos poetas que o embalaram nos seus sonhos e ficções e povoaram de visões deslumbrantes o sumptuoso palácio da Arte que trazia na sua alma; a este respeito, citou Homero, Dante e Victor Hugo.

Faz o mais carinhoso elogio da sua terra e lembra, em palavras de profundo sentimento, o dia em que dela saiu para iniciar em Braga os seus estudos. Nem no Minho com os seus verdes, nem em Trás-os-Montes com as suas serranias, nem no Douro com os seus alcantis, nem na Extremadura com as suas campinas, em parte alguma encontrou terra que o fascinasse como a sua.

Teve sempre a ambição de ser amado dos seus patrícios e compraz-se em haver realizado essa ambição.

É talvez esta a última vez que fala na sua terra; aumenta o seu terror da tribuna. Acha que o mundo está cheio de palavras; os sons confusos que vêem de todos os lados desgostam, perturbam, cansam.

Ele, orador, não quer acrescentar mais notas incoerentes ao baralho ensurdecedor que se faz no mundo.

Disse também que era “talvez por isso que tanto espírito refulgia para o passado a procurar as suas formas claras e simples, ou se aventurava ao futuro, onde a imaginação lhe fabricava refúgios de quimera e de sonho”.

Que a sua vontade era pôr termo ao seu falar estéril e desorientado.

Só falará quando um dever de dignidade a isso o obrigue e a bem das coisas do seu tempo e do seu país.

A não serem esses casos, que ressalvava e prevenia, de boa vontade faria dali as suas despedidas á tribuna, que tanto amava e a que tanto queria, ficando com a consolação extrema de ela ter servido de pretexto aos seus amigos para, pondo sob a invocação do seu nome o Asilo inaugurado, lhe proporcionarem o prazer intelectual mais intenso da sua vida.

A assembleia, que, durante três quartos de hora, a custo entrecortara com bravos muitas das passagens do discurso do grande orador, saudou-o, ao terminar, na mais calorosa ovação, estando comovidos muitos dos que o abraçaram.

Na sala em que a sessão se realizou estiveram presentes a câmara municipal, autoridades, oficiais do grupo de artilharia aquartelado em Amarante e muitas pessoas de distinção, entre as quais grande número de senhoras.

Os edifícios do hospital e do novo Asilo estavam exteriormente engalanados. Tendo sido esta Instituição muito visitada.

Na ocasião da solenidade foi distribuída impressa uma saudação à comissão promotora da construção do Asilo, ao infatigável provedor da Misericórdia Joaquim Leite de Carvalho e conselheiro António Cândido, escrita por José Albano e encimada pelo retrato do conselheiro António Cândido.

A segunda parte das comemorações foi na magnífica casa de Freitas, de Joaquim Leite de Carvalho, o jornal da cidade do Porto descreve mais uma vez esta passagem do evento, dizendo que o Comendador Joaquim Leite de Carvalho era um “amarantino adoptivo, mas dedicado como os que mais o sabem ser, fidalgo no seu porte, no seu carácter, no seu acolhimento se abriu o salão de jantar, onde foi servido um esplêndido banquete, com a presença de mais de 40 pessoas, em honra ao conselheiro António Cândido, a quem Joaquim Leite votava uma admiração e afecto que tocava as proporções de um culto.

A mesa oferecia um imponente aspecto. O serviço foi profuso e esmeradíssimo, nos menus, viam-se graciosas reproduções da avenida de ingresso à formosíssima casa de Freitas e dos pitorescos jardins e frontaria do palacete.

Os lugares de honra foram ocupados pelo bispo do Porto, Adolfo Pimentel, Joaquim Cardoso, presidente da câmara de Amarante; Joaquim Leite de Carvalho, conselheiro António Cândido e Bento Carqueja.

Entre os restantes convivas encontravam-se entre outros:

Visconde de Alvellos, dr. Francisco Martins, dr. José Monteiro da Silva, dr. António Machado do Lago Cerqueira, tenente-coronel Abel Nogueira, Augusto Brochado, dr. José Justino Fernandes Dias, dr. Ayres Lobo de Souza Ramos Arnaud, dr. Augusto Monterroso, dr. Domingos Teixeira Barbosa, Ruy Vieira de Mello Cunha Osório, abade José António da Costa Pinheiro, António Barbedo de Vasconcelos, Joaquim Augusto Ferreira Cardoso, José Emydio de Souza Cardoso, Francisco Cardoso, António Pereira Pinto Carvalhal, Agostinho Monteiro Pinto Brandão, dr. António de Souza Pereira, capitão João Alves Peixoto, dr. José Teixeira de Queirós, José Pinto Leite, dr. José de Figueiredo, Firmino Pereira, dr. Manuel Augusto de Andrade, tenente Manuel Goês Pinto, Augusto Teixeira de Magalhães, mgr. Joaquim Lopes, rev. António Maria Coelho, dr. Artur Barbosa da Guerra Leal e capitão Alberto Amâncio da Costa Santos entre outros”.

No final do jantar trocaram-se vários brindes e posteriormente, os salões do esplêndido palacete de Freitas foram frequentados pelas principais famílias de Amarante, especialmente convidados, sendo-lhes oferecido variado e profuso serviço de chã, doces, gelados e vinhos.

“Os belos jardins fronteiros à Casa estavam abundantemente iluminados a acetileno, destacando-se á entrada, sobre um maciço de verdura, um grande dístico iluminado «conselheiro António Cândido» e na platibanda do edifício «Casa de Freitas». Tocou ali a banda de música, que também se fizera ouvir durante o jantar.

Eram três horas da madrugada, quando retiraram os últimos convidados saindo todos penhoradíssimos pelas amabilidades que lhes prodigalizou o fidalgo dono da casa.

A filarmónica amarantina pelas 11 horas, sob a hábil regência de Cândido Martins, percorreu as ruas, à essa hora encontravam-se já muitas pessoas de fora da vila observando exteriormente o Asilo, que se achava muito embandeirado, assim como o hospital da Misericórdia e jardim. O recinto dessa casa de caridade esteve repleto de povo: o jardim da Misericórdia também animado” (1).

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